terça-feira, 22 de setembro de 2009

flor do por vir

Era um dia como o de hoje, segundo dia de primavera.
E como todo dia que é segundo, estava mais próximo de saber quem era
Não havia no mundo nenhuma outra flor como aquela
Era flor pequena, ainda enclausurada em forma de botão
Ninguém a via, ninguém se importava, só eu que do alto da montanha podia de longe contemplá-la
A flor era tímida e insistia em dizer não à alegria que seria o dia de seu desabroche
Mas a linda e pequena flor – tão frágil e cheia de amor – tinha mesmo era medo do deboche
Tinha medo de ser ela mesma e ser atropelada pela elegância austera do mundo
Pela vida de jogos e mentiras e trapaças, por essa vida toda cheia de graça que é fingir-se de outro qualquer
A pobrezinha não. Não nascera mentirosa. Nascera assim, sem essa graça. Era toda verdadeira e encolhia-se com medo de ser pela vida inteira, motivo de chacota.
Mas o ímpeto da natureza é selvagem e quanto mais a flor resistia em seu botão maior era o empuxo pra romper todas as margens.
Dia após dia eu observava a pequena flor do por vir. Enchia-me de esperança pela existência de uma natureza mais delicada e verdadeira. De uma natureza que entende o que os outros fingiram esquecer. Fingem que eu sou diferente de você – veja só que falta de sabedoria!
Ah, pequena flor de primavera, você nem sabe...somos todos filhos dessa coisa amorfa que é a Vida. Somos todos nômades errantes, somos todas selvagens debutantes sofrendo por um amor que ainda não temos.
Não nos amamos como deveríamos. Mas eu te amo. E te amo tanto que te vejo sem te ver. Ao quinto dia, quando seu botão já não lhe cabia e suas pétalas anunciavam sua existência, uma triste mulher elegante, toda cheia e ofegante pisou-lhe sem nem mesmo olhar pra trás. Contraí-me inteiro. Foi puro desespero e pranto e dor. Doía-me ver-te tão fugaz...
Vi seu botão semi-cerrado, do meu peito dilacerado vi todo o amor que eu tenho por ti repousar bem ali ao seu lado. Vi suas doces pétalas se ajeitarem, vi as folhas se assustarem com a falta de delicadeza do mundo. Ah, pequena flor querida, fostes corrompida antes mesmo de chegar a vida!
E foi então, num súbito momento de euforia – vai entender a mágica de viver todo um dia – que eu entendi. Eu entendi que no sulco que sutilmente lhe caia pelas arestas, havia gotas e mais gotas de uma existência honesta que contaminavam a terra gorda de mentiras.
Vi naquele sulco sua existência. Vi naquele sulco espesso e melado toda a minha esperança. Vi que não era a flor bonita que temia desabrochar que me importava. Mas a gota estranha – a gota que é entranha – e que se não fosse sua morte prematura eu jamais teria entendido que a vida está além da formosura de existir.

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