terça-feira, 12 de outubro de 2010

infinito

Há um universo em mim. Um universo ainda inexplorado. Há, na delicadeza da existência a força do inesperado. Existir não basta. Respirar é pouco. É preciso mais, muito mais! Sinto nas entranhas do meu pensamento desejos libertários que não me permito.! Romper com tudo é romper comigo mesmo. Não posso, não devo, não quero.
Há uma natureza em mim. Uma natureza selvagem. Ela pulsa e me guia pelas nervuras da existência. Pulsar é pouco. Pulsar não basta! É preciso mais, muito mais! Passam, pelo azul das veias, gotas gordas de nomadismo e terra molhada. Terra com sangue dos bêbados e maltrapilhos. Não posso, não devo, mas quero.
Há outra natureza em mim. Uma natureza delicada. E ela canta no meu silêncio o seu doce cantado. Cantar é pouco. Cantar não basta! É preciso um pouco mais! Ela canta nos meus cantos mais secretos e me preenche com uma candura que é só minha. E eu deixo, eu gosto, eu me permito.
Há uma série de consciências em mim. E que me tornam incoerente. Elas me censuram para todos os lados. Censurar é muito! Censurar é grave! Censurar-me quanto mais? Elas me escondem com seus olhares e me anulam as coisas mais primeiras. Matam minha espontaneidade. E me deixam solto com meus medos. E eu sangro, sozinho, no escuro.
Há um infinito em mim. Um infinito no eu sozinho...

domingo, 3 de outubro de 2010

o menino que não comia frutas

A vida inteira ele fora sempre da mesma maneira:
O menino que não comia frutas.
Desde a existência primeira ele tinha na cabeça:
Jamais comeria frutas.
E não é que tinha algo de desgosto, não é que tinha algo de mimo
Era problema no suco das entranhas.
A boca, a língua e o paladar tudo parecia gostar da cartela de cores e aromas,
Da diversidade generosa da terra, da água, da fibra e do açúcar
Gostava de adivinhar as cores ao compreender os cheiros
Gostava de penetrar nas texturas, vincos e lisuras dos corpos caprichados, naturalmente trabalhados na organicidade da natureza.
Surfava nas curvas das bananas, entrava pelos poros dos morangos, perdia-se no matagal dos kiwis.
Mas ainda assim, doía-lhe o estômago, se a curiosidade lhe causasse o incômodo de provar os seus venenos.
O cheiro doce da manga madura transformava-se em pura tortura ao sistema digestório.
E eu lhe imploro, te rego e te suplico, te juro que não é mimo de um garoto paparicado.
É que a natureza o fez do avesso e se por hora eu me esqueço e brinco que ele é gente normal, na verdade eu te engano porque esse garoto puritano nada sabe de ser igual...

domingo, 26 de setembro de 2010

interior

É que passarin que posô ni mim
Avuô baxin baxin
E canto seu canto brando no gaio seco da mangueira prantada
E na magueira de todos os meus santos
Onde guardo minha canseira depois dos dia de trabaio
O passarin que canto, canto o hino dos desonrado
É que o passarin, seu doto, sei como não mas divinhô o que mora aqui do lado
Aqui do lado de drento, mas tão drento seu doto que eu não acho a cura
É que tem umas lisura que escapa as entranha
É que as coisa escorrega pelos buraco dos dedo e me atrapia as vista do invisíver
É que o invisíver a gente também vê, né seu doto!
A gente não enxerga o canto do passarin mas vê com os zóio dus zuvido
A gente não enxerga o gosto quente da boca das muié da gente, mas a gente vê com a língua cada pedaço da boca viva dos diabos feminino
A gente não vê os predicados das moças cumpremetida mas sente cada pedaço das carnes das ancas como se fosse parte naturalmente nossa desde todo o sempre.
A gente não enxerga os invisiver entre eu e você mas sente com a força das matéria que vevem na gente a presença da sua presença ainda que intocada
A gente sente nas matéria da gente o corpo quente sem que ele esteja ao lado
A gente sente nas matéria da gente o sangue que pulsa nas veia da gente
E mesmo sentindo tudo isso, mesmo avivendo isso tudo, miseravermente eu perdi os prumo do que acontece aqui drento...

domingo, 15 de agosto de 2010

incompleto

Ele acordou aquele dia da mesma maneira que acordava sempre. Abriu os olhos pro mundo escuro e tateou o chão gelado com os pés descalços. Buscava no mundo uma referência qualquer. A gravidade pesa e com ela o corpo. Viver é um fardo para o qual ele nunca estivera preparado. Separou as roupas ao acaso, procurou na gaveta os pensamentos mais felizes. Travestiu-se, como de costume, de sua personalidade intensa. Intensamente feliz. Costurou nos lábios um sorriso largo. Gravou a gargalhada mais profunda e imprimiu-a no âmago. Assim, com a menor contração do abdômen, a qualquer susto de alegria, o estrondoso som de gargalhada profunda ecoaria por entre os corações ingênuos. E era assim, travestido, que ele saia de casa.
Contornava a dor imensa que sentia com as melodias mais delicadas. Era com elas que as águas sombrias do seu corpo se deitavam. Era com os acordes delicados que ele imprimia sua essência. E dançava na tristeza singela e amarga da condição humana. Ele sabia da inutilidade da vida e ainda assim vivia. Ele sabia da inutilidade da vida e ainda assim sorria. Ele sabia que a inutilidade da vida só era vencida pela plenitude do amor. Amor que teimava em chegar. Não que nunca tivesse amado alguém mas o amor pleno nunca o havia encontrado.
Jamais encontra na vida um cúmplice de carne e espírito, mas sim amores dissociados. Os cúmplices de carne trêmula e excitada. Os cúmplices de gozos eternos e sacrilégios. Os cúmplices das noites mal-dormidas e, por isso mesmo, intensamente bem vividas. Os cúmplices de prazer doído. Os cúmplices de ódio de alma escancarada.
E se deitava com todos eles como quem descobre uma fruta. Saboreia o sangue novo, escorrega pelos espessos vincos, ingere o hálito suado em silêncio profano. E depois cospe o caroço e convive com o gosto amargo da ausência. A ausência depois da presença parece ser das mais sofridas! E atira aos quatro ventos sua risada mesquinha. E atira aos quatro ventos sua risada deslocada. E atira-se no poço profundo e sigiloso do auto-engano...

terça-feira, 1 de junho de 2010

marina silva, votar ou não votar?

comentário que deixei no blog do marcelo cia do mix do Brasil mas que, até agora, não foi publicado. não sei se pela extensão ou pelo conteúdo contrário....de qualquer forma, segue minha argumentação:

Eu entendo que o posicionamento de Marina Silva em relação à comunidade gay é um
retrocesso quando pensamos num candidato que teria, por obrigação ética, que contemplar a diversidade do pensamento e da vivência como ela (apesar de cristã) prega. Mas será que isso justifica a sentença: "ela não merece seu voto?"
Marina Silva resgata uma perspectiva na politicagem brasileira da qual sentimos muita falta. a da clareza no pensamento, da transparência e da honestidade. os outros dois candidatos são produtos inacabados de um pensamento que se adéqua ao que for preciso pra ganhar votos.
Serra era esquerdista ferrenho, virou direitista dos mais fervorosos e foi, aos poucos,introduzindo perspectivas mais sociais - como os famosos genéricos, e certo apoio à causa LGBT - enquanto minava outras perspectivas estruturais de mudança e de emancipação populacional como a educação, por exemplo. O estado da USP hoje é de chorar de tão ruim!
Quanto à Dilma, bem, quem souber o que é a Dilma que explique! porque é um produto tão mal formado, tão desesperado que ninguém consegue, com clareza, classificar.
Já Marina Silva apresenta um ponto nevrálgico que fragiliza toda a perspectiva transformadora que ela representa: como pode alguém quem supostamente quer avançar com as políticas sociais transformadoras ser porta-bandeira da ética cristã? No geral, o que temos é uma grande lambança de candidatos que nunca contemplam tudo aquilo que a gente gostaria. Eu continuo votando na Marina porque acredito que as transformações que ela pode vir a gerar sejam muito mais estruturais e importantes pro país do que – sem querer minar as lutas tão importantes que o movimento LGBT trava - legitimar o casamento gay. Quem sabe com mudanças importantes na educação, na saúde, no transporte público, em habitação e tudo mais, a sociedade brasileira não se emancipa intelectualmente e concebe, de fato, uma sociedade mais tolerante?

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

medo (parte I)




O coração estava disparado. As sombras enigmáticas delineadas na fresta da porta roída, o vento batendo as venezianas das janelas trincadas, o escuro da noite em pleno meio dia. Tudo era emoção que ardia no peito. Tudo era o coração que batia em desespero. As três batidas na porta que ele ouvira anunciavam mais que chegada de um forasteiro, de um estranho. Anunciavam a ausência da ausência. Ele já não era o único naquele lugar. Ele já não estava mais sozinho. Ele já não estava mais sozinho e a presença que assombrava era a mesma que sorria, escondida, do outro lado da porta. A porta roída era a ruína da existência solitária que ele, com esforço, construíra.
As três batidas na porta ruída era o começo do fim. E o desespero o consumia. E o desespero provocava espasmos na pele por vezes tocada por outra pele. E as batidas na porta ruída tremiam o osso e a junta e a pele e os cabelos. E as batidas na porta tremiam na alma. E ele já não era mais ele. Ele já não era mais o solitário andante que ficava. Ele já não era o solitário andante que perdera a inocência. Ele já não era o que ele havia construído. Ele era outra coisa e essa outra coisa tomava posse em desespero.
E o silêncio se fez. E o vento calou. E as batidas cessaram. E a porta já não tremia. Era só o escuro da noite que cismava em escurecer o meio dia. Era só o escuro da noite e a sombra na fresta da porta estática. Era só a sombra e o menino. E aquela sombra estática, escura, delineava a luz. E aquela sombra escura que revelava outra existência, e aquela sombra preta que assustava e consumia a branquidão da luz, sumiu.
E a retomada da ausência e do silêncio. E a retomada da solidão fez, por um segundo, o menino desejar o desespero anterior. A existência que viveu séculos toda espremida em cantos resguardados de medo e insegurança, a existência que passou por percalços e arreios e moléstias, e a existência que deixou de existir, tremia em temor.
É que o corpo ainda lembrava-se de outras vidas. O corpo ainda lembrava-se do tempo em que se encontrara com as sombras que haviam do outro lado da porta. E o corpo sofreu. Sofreu de espasmos e angústias e de uma dor que não tem medida. Era uma dor de peito arrancado, de peito dilacerado e, cada pedaço de coração moído, cada centímetro de carne pulsante, cada centímetro de carne independente, percorria as veias e os órgãos, amassava as entranhas e pulava no ritmo acelerado e dolorido de quem vivera algo terrível.
E o corpo lembrava-se disso. O corpo lembrava-se de cada pedaço de coração que pulsava em partes diferentes do corpo. O coração que ardia no pé, na mão. O coração que ardia na entranha da carne, na perna, na medula. O coração havia sido estraçalhado e cada migalha pulsava coma força de um coração inteiro.
E era tanta dor, tanta migalha, tanta fraqueza. Era tanto tudo que de tudo ele fez o nada. E construiu um grande nada a sua volta. E enquanto construía esse nada, esse vazio, ele juntava, pedaço por pedaço, o coração. E o nada foi se expandindo. E o nada tomava conta. E o nada era quente e aconchegante. E no nada morava o silêncio. O silêncio que lhe permitia o encontro secreto com o desconhecido, o silencio de quem vela a ausência e recorre a si mesmo como recurso de expansão da própria existência. Uma existência que se desdobra em si, que se multiplica e que se transforma. E o silencio era vital. E o nada era vital. E do nada ele fez tudo. Juntou-se todo em um todo enigmático. Juntou-se todo numa existência que era só sua. Juntou-se todo e sentou-se no sofá à espera de nada. E não havia angústia, não havia desespero. Era ele e o nada. E nada era só o que importava.
E do nada ele fez sua casa. Mobilhou-a calmamente, ergueu paredes e seguranças. Protegeu bem o que construíra com a força que só quem já viveu a desilusão sabe que tem. Não fez portas nem janelas, nem telhados. Tudo era uma expansão de parede infinita. Não havia fresta, não havia brecha. O nada tomava conta pra que não houvesse defeito. E o nada rondava para a segurança e manutenção daquele estado. Não havia tevê, não havia telefone. Havia o menino e o mobiliário primordial. A cama, o sofá, a mesa e a geladeira. E aos poucos ele foi construindo o tédio. E do tédio ele fez memória. E do tédio ele capturava aquilo que ele já não era.
Lembrou-se dele menino apaixonado pelo próprio corpo. Não a paixão de quem venera sua existência celestial ou a beleza do narciso. Mas a paixão pelos órgãos e entranhas que regiam com maestria a um pulsar involuntário de vida. Ele era apaixonado pelas reações espontâneas que o seu corpo sofria. O arrepio do vento, do toque singelo da mão no peito, o arrepio na espinha que lhe dava quando ouvia uma música linda. A lágrima que escorria e contaminava o rosto com o toque da alma. A contração das bochechas e a extensão do rasgo do lábio que revelavam os dentes e o som estridente da alma ressoando em forma de riso. E a contorção do corpo quando corpo do outro resvala suado junto ao seu. A contração do corpo quando, por acidente, o gis riscava a lousa de um jeito estranho e o grito estridente da matéria branca, contorcia as células da pele lisa do menino inocente.
A excitação que fazia brotar dos poros uma ardência na carne involuntária. E a carne se movimentava em ereção do pelo, da pele, do sangue. Tudo se enrijecia e se potencializava para o toque do outro. Tudo era o apelo do outro. Tudo era o outro e ele se esvazia nessa tensão involuntária de uma trama tecida pelo impulso. E o gozo da pele que se lasca inteira. Que ferve e que se esvai na tentativa singela de contaminar o outro com um pouco de existência sua.
E era esse misto de sensações próprias, era esse misto de sensações intrínsecas que o menino chamava de vida. A vida era toda internalizada. Acontecia aqui dentro e se refletia no mundo lá fora. E foi esse internalizar-se que, com o tempo ele construiu o nada.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

sexta-feira 13





foi numa sexta-feira 13, como a de hoje, que ele soube do pouco de vida que ainda lhe restava. viu-se desconcertado com uma ruga de vinco grosso delinear o rosto e o pensamento de uma vida toda marcada pelo tempo.
sofreu como quem sofre uma perda. não era a ruga que lhe incomodava. mas o conhecimento que a ruga lhe trazia. não era o tempo e a fugacidade da vida que lhe tiraram o sono, mas a certeza de que não era a pele que, aprofundada pelas emoções, expunha o vinco de sua existência.
Ao contrário, a ruga era o primeiro sinal de que a alma iniciara seu processo de desprendimento. prá ele a pele desprendia-se da alma e o vinco aparecia. aquele gesto torto em seu rosto marcava a expressão de seu limite.
o tempo passava.

era isso, o tempo passava!

deitou-se à cama e olhou para o teto. a luz linda de um raio de sol iluminou os pensamentos e ele sorriu apaixonado. olhou para o dia 13 e sorriu. sorriu porque viu na alma desprendida uma arma para o tempo. a alma voa como passarinho. a alma voa para o seu cantinho e lá, bem longe, ela voa num canto bem escondidinho.

voa prum canto doce e eterno, prum canto lindo e livre! a alma liberta precisa do casulo do corpo pra ser forte. a ruga grossa e torta era linda em sua condição libertária. a ruga era a alma que vazava da pele rompida. a ruga era alma doce cantando sua vitória sobre o corpo amargo. a ruga era a história da alma imprimindo no corpo o seu desejo de ser livre.

a ruga era a paixão do menino pela vida. dessa vida envolta em vivências de milhões de outros corpos amargos.