quarta-feira, 23 de setembro de 2009

carta à minha mãe

Mãe, querida!

As pessoas mais bonitas que eu já conheci são aquelas cujo passado parece que se dissolveu no ar. Não sobrou nada além daquilo que se é hoje – um poço de insegurança e incertezas. As pessoas mais bonitas que já vi são assim, não vivem do passado e sonham profundamente com um futuro melhor, um futuro de realizações e prazeres.
As pessoas mais bonitas que já conheci eram todas assim, quem nem você. Pessoas cujo o motor não é a sombra do que já foi, mas a angústia do que ainda não é. Você sabe a força disso? É de brutal delicadeza!É preciso muita gentileza pra entender que o viver não é só o que “eu já vivi”, mas o que está por vir e atirar-se com toda a força da existência a esse desconhecido e nebuloso desejo de futuro.
As pessoas mais bonitas que eu já conheci mãe, eram motivadas pelo amor. Não pelo dinheiro, pelo tempo, pela beleza ou pela sabedoria. Eram pessoas todas feitas de amor. E elas eram lindas e ricas e sábias por que nada no mundo preenche mais, porque nada no mundo dá tanto vazio – porque o amor nos ausenta de nós mesmos - do que uma alma cheia de amor.
E você mãe querida, você é todo amor. Todo o amor do mundo cabe em você e cabe tanto e com tal força que há certo descontrole. Um descontrole lindo que eu admiro de perto. Eu que vim com certa racionalidade olho em você algo que às vezes falta em mim. Um amor que não da conta de caber só em você.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

quer saber?

Quer saber? O que eu falo e o que calo e ninguém quer saber? Quer saber?
Chega aí, mentir eu juro que não vou, só vim contar pra ti o que ninguém jamais contou!
- Nem pra mim?
Vem pra cá, não venha mais com essa de querer justificar a existência daquilo que a gente já sabia - já não há!
Faz assim, esconde entre os seus dedos, esconde os meus segredos que sem culpa te conto todo meu enredo.
Mas agora eu tô sem tempo, e se eu achei que era hora de começar nossa doce história, me enganei. Vou-me embora sem demora e se teus dedos guardarem bem os meus segredos, juro, volto cedo e volto só pra te procurar.

flor do por vir

Era um dia como o de hoje, segundo dia de primavera.
E como todo dia que é segundo, estava mais próximo de saber quem era
Não havia no mundo nenhuma outra flor como aquela
Era flor pequena, ainda enclausurada em forma de botão
Ninguém a via, ninguém se importava, só eu que do alto da montanha podia de longe contemplá-la
A flor era tímida e insistia em dizer não à alegria que seria o dia de seu desabroche
Mas a linda e pequena flor – tão frágil e cheia de amor – tinha mesmo era medo do deboche
Tinha medo de ser ela mesma e ser atropelada pela elegância austera do mundo
Pela vida de jogos e mentiras e trapaças, por essa vida toda cheia de graça que é fingir-se de outro qualquer
A pobrezinha não. Não nascera mentirosa. Nascera assim, sem essa graça. Era toda verdadeira e encolhia-se com medo de ser pela vida inteira, motivo de chacota.
Mas o ímpeto da natureza é selvagem e quanto mais a flor resistia em seu botão maior era o empuxo pra romper todas as margens.
Dia após dia eu observava a pequena flor do por vir. Enchia-me de esperança pela existência de uma natureza mais delicada e verdadeira. De uma natureza que entende o que os outros fingiram esquecer. Fingem que eu sou diferente de você – veja só que falta de sabedoria!
Ah, pequena flor de primavera, você nem sabe...somos todos filhos dessa coisa amorfa que é a Vida. Somos todos nômades errantes, somos todas selvagens debutantes sofrendo por um amor que ainda não temos.
Não nos amamos como deveríamos. Mas eu te amo. E te amo tanto que te vejo sem te ver. Ao quinto dia, quando seu botão já não lhe cabia e suas pétalas anunciavam sua existência, uma triste mulher elegante, toda cheia e ofegante pisou-lhe sem nem mesmo olhar pra trás. Contraí-me inteiro. Foi puro desespero e pranto e dor. Doía-me ver-te tão fugaz...
Vi seu botão semi-cerrado, do meu peito dilacerado vi todo o amor que eu tenho por ti repousar bem ali ao seu lado. Vi suas doces pétalas se ajeitarem, vi as folhas se assustarem com a falta de delicadeza do mundo. Ah, pequena flor querida, fostes corrompida antes mesmo de chegar a vida!
E foi então, num súbito momento de euforia – vai entender a mágica de viver todo um dia – que eu entendi. Eu entendi que no sulco que sutilmente lhe caia pelas arestas, havia gotas e mais gotas de uma existência honesta que contaminavam a terra gorda de mentiras.
Vi naquele sulco sua existência. Vi naquele sulco espesso e melado toda a minha esperança. Vi que não era a flor bonita que temia desabrochar que me importava. Mas a gota estranha – a gota que é entranha – e que se não fosse sua morte prematura eu jamais teria entendido que a vida está além da formosura de existir.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

hoje

Não havia Sol, não havia calor, não havia cor no céu.
Havia um triste cinza em nuvens numerosas e densas.
Era um grande véu que respingava em gotas finas e apertadas toda a intenção do inverno de permanecer intacto.
Mas a vida e sua bonita poesia encheram o véu de lágrimas e amores. Fez das flores brotar cores e preencher de um tom bonito o cinza insosso do céu. A chuva que caia semeava de alegria o chão que estava cheio de “nãos”. Gota por gota, o árido e seco solo foi salpicado de malemolência. A bruta semente que um dia caíra despertara logo pra chama da vida. Chama despertada com água – olha aí a poesia – e, enraizada, a pequena flor nascia!
Daquela pequena gota fina – um dia caída do véu do céu triste - nasceu uma flor em mim. E é assim, nesse dia cinza que eu vejo poesia e cuido com o olhar a pequena flor do dia

sábado, 19 de setembro de 2009

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

verborrágico

meu caro amor querido, há tempos esquecido nessa ânsia de viver o desconhecido. logo eu que naveguei por terras sujas e lavei-me em mato seco.
ah, meu caro e querido amor, a vida é dum ardor que nem te conto. a gente anda meio tonto de tanto tentar de tudo. tentei dar murro em mim pra ver se algo desprendia. desprendeu. desprendeu aquilo que mais me valia, aquela inocência que todo dia me fazia viver a vida simples.
ah, meu querido amor, é me tão caro, quero-te tanto e tão claro que me encontro num desamparo, que é dum desassossego nesse ponto equivocado da minha ingênua existência juvenil.
ah, amor bandido juro que prefiro mil vezes ter lhe vivido do que ter me todo ressentido pela ausência de presença de qualquer vestígio de memória de uma vida qualquer.

terça-feira, 15 de setembro de 2009